2006-02-01

News from Japan #01

Logo que cheguei ao Japão pretendia escrever pelo menos um e-mail por mês para os parentes e amigos que ficaram no Brasil. Cheguei a escrever algumas mensagens (três se não me engano) mas acabei parando no meio do caminho. Espero que consiga manter o blog mais atualizado do que as mensagens.

Abaixo tem a cópia da primeira mensagem, "New from Japan #01", e pretendo colocar as outras duas também, só que como os posts são ordenados por dada as mensagens vão aparecer em ordem decrescente.


News from Japan #01

Olá a todos. Desculpem pela demora em escrever. As coisas aqui andam muito corridas mas isso não é desculpa. O fato é que eu fui deixando para escrever depois e acabei ficando quase um mês sem escrever. Vou tentar colocar as noticias em dia. Como vocês devem imaginar, em um mês aconteceu muita coisa, por isso preparem-se para uma mensagem longa.

Para começar, como devem ter percebido ao receber esta mensagem, eu estou vivo. Sempre é bom confirmar, para não deixar duvidas.

Eu embarquei no dia 04 de abril e cheguei ao aeroporto de Narita no dia 06 de abril as 14:30h, horário local, ou seja, hoje faz um mês. Ao mesmo tempo que parece que já se passaram meses, também parece que foi ontem. A imagem da Karin com as crianças e a Saori do outro lado do vidro enquanto eu estava na sala de embarque em Vitória não me sai da cabeça. Passei a noite antes da viagem praticamente em claro pensando que não veria minha família por vários meses e a despedida foi um momento muito forte e emocionante para mim. Estive a ponto de voltar e mandar a bolsa de estudos as favas. Chorei bastante na viagem ate São Paulo. (Quem disser que homem não chora, provavelmente não sabe o que é se separar dos entes queridos por tanto tempo, ou ir para tão longe.)

A viagem em si foi relativamente tranqüila, exceto pelo fato de que a Air Canada fez uma confusão danada com a bagagem de alguns dos bolsistas. Tinha muitos bolsistas indo no mesmo vôo. Eram bolsistas do consulado do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Curitiba, de Porto Alegre, de Manaus e de Belém. Tiramos uma foto com todo mundo no aeroporto de Vancouver, no Canadá. O pessoal que tinha visto americano foi direto de Japan Air Lines (JAL) de São Paulo ate Narita, mas o restante foi pela Air Canada de São Paulo ate Toronto e de Toronto a Vancouver. De Vancouver pegamos um vôo da JAL ate Narita. Em algum momento a Air Canada perdeu a bagagem de uns 8 bolsistas. Mas o problema foi resolvido quando chegamos a Narita. O pessoal teve que esperar um pouco mas as bagagens chegaram. Ao todo a viagem durou umas 33h. Considerando o tempo que eu fiquei esperando em Guarulhos e o tempo da viagem de Vitória a Guarulhos foram 44h de viagem. Destas eu dormi, por alto, umas 5h.

Ao chegar a Narita havia pessoas da JASSO nos esperando para dar as orientações básicas, a verba inicial (20% do valor da bolsa) e nos despachar para os respectivos destinos. Quem iria ficar em Tokyo ou nas vizinhanças já foi despachado logo. Os demais iriam passar a noite em um hotel anexo ao aeroporto e pegar outros vôos no dia seguintes. Como Tsukuba fica a 50 Km de Narita, fui despachado de cara. O único comentário sobre a recepção da JASSO é que o pessoal não falava inglês. O que causou um certo ruído na comunicação.

Quando cheguei ao Internetional Student Center da Universidade de Tsukuba bateu o desespero. Ninguém falava inglês e eu não entendia nada de japonês. Ok, eu fiz 4 meses de aulas particulares de japonês, mas parecia que eu não tinha visto nem o “watashi wa Jefferson Andrade desu” (Eu sou Jefferson Andrade). A única palavra que eu entendi foi “daijoubu?” (algo como “tudo bem?”). Minha vontade foi responder que “não dava jogo coisa nenhuma”, mas como eu so consegui balbuciar “hai”(sim) foi essa resposta mesmo. Achando que estava tudo bem comigo a funcionaria do ISC mostrou ao motorista do táxi como chegar ao prédio onde ficava o meu quarto (mais sobre o quarto depois). Chegando ao prédio o motorista, mais que depressa, descarregou as minhas malas e se mandou. E eu fiquei la com a funcionaria do ISC e um voluntário que estava me esperando para explicar (em japonês) como funcionava o alojamento. A essa altura eu já estava mais que desesperado eu já estava começando a me ver de fora do meu corpo, como se aquilo não estivesse acontecendo comigo. Nunca me senti tão completamente perdido em toda a minha vida.

Estavam a funcionaria do ISC e o voluntário falando entre si e comigo (em japonês, sempre) na maior descontração como se eu estivesse entendendo tudo – apesar da minha evidente cara de pânico – quando saiu do prédio um grupo de umas 7 pessoas. Se encaminharam na nossa direção e me cercaram. Décimos de segundo antes de eu começar a gritar ensandecido alguém falou: “Nos também somos alunos brasileiros.” Levou alguns segundos ate eu tomar consciência de que eu havia entendido a frase e o que ela significava. Eram quatro alunos veteranos (sempais) que ficaram sabendo da chegada dos novos alunos (korais) bolsistas brasileiros e vieram dar uma forca para a gente. Eles já haviam recepcionado os outros três brasileiros que vieram pelos EUA. Um dos sempais se encarregou se servir de interprete entre eu e o voluntário, que me entregou as chaves do quarto, as roupas de cama, mostrou a mobilia e o livreto de regulamentos (em inglês! Aleluia!).

Depois de deixar as minhas coisas no quarto, fui apresentado aos outros sempais e aos outros 3 korais: Ricardo Yassaka de São Paulo, Miwa Onaka de Florianópolis e Aline Rezende de Brasília. Todo mundo estava cansado e com fome, mas nada de descanso ainda. Saímos com os sempais que se encarregaram de conseguir bicicletas usadas para os recém chegados. Bicicleta é artigo de primeira necessidade por aqui. Todos os alunos andam de bicicleta o tempo todo.

Nos quatro recebemos bicicletas usadas de presente. É comum por aqui as pessoas jogarem as bicicletas fora quando ficam velhas. E quando o pessoal sabe que tem novos alunos chegando, normalmente eles guardam. Infelizmente a bicicleta que me coube era de uma bolsista brasileira que voltou ao Brasil no ano passado, e era um pouco pequena. Eu sempre terminava o dia com dor nos joelhos. Por fim acabei resolvendo que era melhor comprar um bicicleta do meu tamanho. Depois de buscarmos as bicicletas saímos para comer com os sempais em um restaurante de comida italiana (nada de sushi e sashimi no primeiro dia).

O dia seguinte foi para desfazer as malas, conhecer as redondezas e os caminhos da faculdade. Também foi legal para conhecer os outros korais. O Ricardo eh da area de biologia e fez mestrado da USP. Ele tambem vai tentar doutorado, assim como eu. A Miwa fez educação física no Brasil e vai tentar mestrado nessa área – mais especificamente sobre kendo. Ela é 4º dan e já foi vice-campeã mundial em 97. A propósito o Ricardo também pratica artes marciais, karate, e já foi 7º colocado no mundial (não lembro o ano). Só tem gente perigosa aqui. A Aline fez desenho industrial e trabalha na área de design. Vai tentar mestrado nesta área e o projeto de pesquisa é sobre design aplicado a museus. Conversamos bastante e estávamos andando os 4 sempre juntos nos primeiros dias. A propósito, a Miwa fala japonês bem pra caramba, de modo que quando ela esta junto a gente nunca se aperta. Não houve atividade oficial ate sexta-feira.

Na sexta-feira houve a recepção oficial da JASSO e do pessoal do centro de línguas do ISC. Nesta ocasião, felizmente, as pessoas falavam inglês. Recebemos as instruções iniciais, preenchemos um sem numero de formulários para as mais diversas finalidades, desde abertura de conta no banco, ate seguro de saúde. Para finalizar fizemos 3 provas de japonês. É isso mesmo. Prova, de cara. Mas não valia pontuação nenhuma, era só para avaliar o nível de cada um e decidir em que turma cada um iria se encaixar a partir da segunda-feira. Em principio haveria 4 turmas, A, B, C e D. Sendo a turma A para quem nunca viu um hiragana na vida e a turma D para quem já estava em nível intermediário ou avançado. Depois de avaliar o resultado dos testes, os professores do centro de línguas decidiram que não iria haver turma C, pois não havia alunos no nível correspondente. Deste modo havia a turma “A”, para quem não sabia absolutamente nada. A turma “B”, para quem já sabia hiragana, katakana (mais-ou-menos) e já tinha algum vocabulário básico. E havia a turma “D” para os alunos avançados. Na turma “D” há dois filipinos que estudaram japonês por 7 anos, um jamaicano que estudou por 3 anos e sabe (segundo ele mesmo) uns 500 kanjis, uma moça do Azerbaijão, que teve curso intensivo de japonês no Japão por 6 meses a uns 2 anos atrás e o Ricardo que é filho de japonês e estudou japonês por 3 anos. Agora, adivinha em qual turma os professores resolveram me colocar? Isso mesmo! Na turma “D”. Só para ter uma idéia da diferença de nível. A turma “A” acaba de começar a lição 3; a turma “B” acaba de começar a lição 4; e a turma “D” termina a lição 6 na próxima aula! Em três semanas de aulas eu já tenho (aproximadamente) 50 verbos, 200 palavras, conjugações verbais, flexões de adjetivos e 55 kanjis (pelo menos 2 formas diferentes de ler cada um) para decorar. Para quem achou que estudar para o vestibular foi difícil, eu sugiro fazer um curso intensivo de japonês. Da uma outra perspectiva as coisas.

Para mim esta sendo traumático. Eu sempre fui o melhor ou um dos melhores alunos da turma, e não precisava me esforcar muito para isso. Na minha turma de japonês eu sou o pior! Sou o mané que esta sempre atrasado com os exercícios e que nunca entende o que a professora fala. Sou aquele cara que o professor diz assim: “Coitado, ele ate que se esforca, mas não consegue acompanhar o restante da turma.”

Fora o arrocho que esta sendo o curso de japonês, a saudade que sinto de casa também não esta dando trégua. Sinto falta de muitas coisas, mas principalmente da Karin e das crianças. É difícil explicar o que é abrir a porta de casa e não ter ninguém chamando “Papai, papai!”.

Mas, exceto pela parte emocional, ate que não tem sido difícil se adaptar a vida no Japão. Ou melhor, a vida em Tsukuba. A ressalva é importante porque Tsukuba é uma cidade atípica. Cerca de 1 em cada 4 centro de pesquisas do Japão fica nessa área. A concentração de estrangeiros e de japoneses que já moraram no exterior é muito alta. Quando se vai a um parque sempre se vêem muitos estrangeiros e famílias de estrangeiros. Sem contar que dentre os estrangeiros há muitos chineses, coreanos, descendentes de japoneses do Brasil e de outros países, de modo que os habitantes locais estão acostumados a ver gente com cara de japonês mas que não é, e que muitas vezes não fala o idioma. Isso tem sido bom para o Ricardo, por exemplo, e para outros bolsistas nikkeis que não são tratados pelos japoneses como japoneses (algo que o pessoal do consulado advertiu que poderia acontecer, de pendendo de para onde a pessoa fosse).

Mudando um pouco de assunto, o meu quarto não é tão pequeno quanto eu cheguei a temer que fosse. Claro que não sobra espaço, mas atualmente ele conta com uma cama, uma mesa de estudos, um guarda roupas de 2 portas e 4 gavetas, uma estante de aço para livros, um armário pequeno para sapatos e uma geladeira. Eu coloquei quatro pequenos tocos de madeira sob os pés da cama para poder guardar as minhas malas e também uma caixa plástica que serve, mais ou menos, como um armário. Tem banheiro no quarto, e o tamanho é razoável. Já vi apartamentos no Brasil com banheiros do mesmo tamanho. O alojamento onde estou (prédio 35) tem uma cozinha comunitária por andar, com quatro pias e quatro fogareiros de 2 bocas que podemos usar para cozinhar, e também tem uma lavanderia com duas maquinas de lavar e duas secadoras (e uma terceira maquina que faz as duas coisas mas que eu não sei usar).

Depois que eu limpei o quarto, coloquei cortinas, comprei a geladeira, a panela de fazer arroz, o forninho elétrico e um tapete esta ate ficando com uma cara agradável. Agora só falta pendurar uns quadros na parede. Ah, também comprei um computador que funciona como televisão. Não que eu já entenda o que os caras falam, mas os alunos antigos recomendaram assistir uma hora de televisão por dia, para ir acostumando o ouvido.

Na verdade ainda tem muito mais coisas para contar, mas acho que para uma mensagem já é suficiente. Vou tentar escrever com mais freqüência de agora em diante. E vou tentar montar um álbum de fotos on-line. Assim que o álbum estiver montado eu aviso.

Abraços a todos,

Jefferson.

P.S. Ainda não sei como configurar o teclado japonês para colocar acentos. Por isso, desculpem a falta dos acentos no texto acima.

P.P.S. O álbum de fotos já está criado. O endereço para acessa-lo é http://br.photos.yahoo.com/jeffersonandrade.

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